terça-feira, 19 de agosto de 2008

Por onde andam as coisas simples?

Estava sentada no fundo do ônibus. Fim de tarde nublado, trânsito livre, uma brisa amena e improvável corria na pequena cidade de Aracaju. Quase férias dentro e fora de mim. Meus pensamentos iam tão soltos e distantes que já haviam rompido o fino fio que os ligava a minha cabeça: se me perguntassem por onde andavam, não saberia dizer. Foi então que surgiu diante de mim a idéia, nítida e apetitosa: amoras. Há quanto tempo eu não comia uma amora?

Em poucos quarteirões passei da distração à obsessão: tinha que comer amoras. Fiquei lembrando da infância no sitio, nas proximidades de Salgado, tardes divertidíssimas enchendo canecas de alumínio de amoras, disputando quem achava as maiores e mais maduras, saboreando-as embaixo do cajueiro. Lembrei do chão escuro à sombra dos pés de amora, lembrei da sola dos meus pés roxos, ao entrar em contato com algumas frutinhas (era assim que eu as chamava, frutinhas) maduras já caídas do pé.

Desci do ônibus um ponto antes, na frente de um supermercado. Entrei na loja fazendo um discurso interno sobre as maravilhas da modernidade, todos aqueles itens à minha disposição, num único local: pasta de dentes, suco de caju, moela de frango, pilhas alcalinas, bacias coloridas, maracujás, morangos, laranjas, e as amoras?

Pedi ajuda a um funcionário que passava na hora. Ele me olhou como se meu pedido fosse absurdo, um desejo de uma mulher grávida, uma excentricidade. Pegou então um radinho e, depois de um breve chiado, soltou: “ô Paulo, você sabe dizer se a gente tem amora?”. Do outro lado o tal do Paulo respondeu, depois de algum suspense: “negativo, Jailson, negativo”. Jailson olho pra mim com certa consternação e repetiu, como se eu não tivesse ouvido: “não temos não, moça”.

Supermercado inútil, repleto de coisas inúteis, nenhuma delas amoras. Saí. Andei um pouco, achei uma quitanda. Nada por ali também. “você sabe se eu encontro em algum lugar por aqui? Sabe se é época? “Olha, moça, não sei, comecei a trabalhar aqui anteontem...”

Fui pra casa. Já mais movida pela birra que pelo desejo, vasculhei na internet as prateleiras de muitos supermercados, tempo bom de venda de frutas. Nada. Se naquele momento eu quisesse comprar uma maquina de lavar, um quilo de maconha, um caminhão-pipa, sexo, pastilhas pra dor de garganta, peixinhos dourados, um DVD de Julio Iglesias cantando em Acapulco, eu poderia. Mas não queria. Queria amoras.Naquele instante, o homem ter ido a lua, ter clonado uma ovelha, pintado a Capela Cistina, inventado a penicilina, o avião, a pipoca de microondas e todas as outras conquistas da civilização, não me valiam de nada, na monumental e incontornável ausência da amora.